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O envelhecimento deixa rugas, sulcos, larga ferpas. O tempo amassa, retorce e entorta à sua própria vontade. Subjuga todos os elementos a suas forças. O torto e imperfeito acaba no tempo. Fica ao relento. É abandonado e, talvez, devido a uma sutil ironia do artista, é assim que tudo começa. A madeira descartada se transforma em suporte. Em tela. Historiografada pelas manchas de água, pelos borrões de tinta, pelas intempéries diversas que são reapresentadas pelas pinceladas do artista. Linhas, planos, faixas... Recortes que destacam parcelas interiores da tela aonde qualquer outra moldura periférica serviria apenas para enclausurar o enredo. A tela respira mesmo depois de quase morta. Misturam-se a história da madeira e a do artista, que maquila a película com recordações que emergem. A infância vivida próxima ao sanatório de Santa Isabel surge não de forma direta ou panfletária, mas sutilmente encravada no processo: começa na escolha de madeiras usadas e descartadas (excluídas), depois tratadas no atelier. Chegando a uma estranheza estética onde a geometria sensível e imprecisa organiza esse caos eloqüente de ranhuras, farpas, sulcos... Cicatrizes. Não é possível nem mesmo dizer que é romântico (o discurso), pois não existe no ato de elaboração da obra nenhum tipo de narrativa fantasiosa, devaneio ou idealização. Consiste na exposição de um indivíduo maduro sobre a superfície da madeira, contando uma história obscura, sem sufocá-la. Unindo-se a ela sem competição. Numa simbiose que permite a ambos falar e ser ouvido. Expor a obra de Agnaldo Pinho é mais do que apresentar pinturas de um artista. É mostrar a sinergia entre tempo (vida) e arte. É passar uma rasteira na morte da matéria e promover um “dia dos tolos” sobre ela. É muito mais do que pinceladas sobre um suporte. É uma atitude política frente à arte e seu poder de transformar o mundo.

 

João Pedro GattI